A nova operação da PF, deflagrada nos últimos dias, é resultado de dois anos de investigação. E em sua fase inicial, a operação Carne Fraca já é capaz de abalar um mercado que só em 2016 faturou mais de R$10 bilhões, alcançando metade do PIB do agronegócio brasileiro e responsável por 7% de toda proteína animal consumida no planeta.

Em meio ao grande debate que assistimos, é interessante observar a comunicação que se tem dado aos fatos, ou a ausência dela, aquilo que chamamos de “ruídos”, tão pouco percebidos nesses episódios, mas capazes de gerar um impacto avassalador nas mais diferentes instâncias. Sobretudo quando a lupa está sobre um segmento gerador de mais de 7 milhões de empregos, com uma cadeia produtiva que representa em torno de 15% das exportações brasileiras.

A forma como foi deflagrada a operação, sem a apresentação explícita das marcas, produtos e lotes, levou as entidades em geral, como empresas, especialistas e associações, a colocar em cheque a lisura das investigações. O próprio presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), Carlos Eduardo Sobral, reconheceu que houve um “equívoco de comunicação” quanto à dimensão dada aos fatos. A partir daí muitas dúvidas surgiram. Se a forma como a Polícia Federal atuou foi correta. Se todas as empresas e produtores brasileiros estão envolvidos no caso. Se a população deve parar de consumir carne. Entre outras questões sem respostas ou com dados ainda sem confirmação, que não param de surgir.

Um dos cinco princípios que regem a administração pública é a publicidade dos atos. Como entidade federal, a PF tem aplicado diligentemente esse princípio em suas ações. Isso gera credibilidade à entidade e confiança da sociedade. A própria operação “Carne Fraca” é um serviço inestimável à população, que é a maior beneficiada pelo desbanque de mais uma rede de corrupção. A prerrogativa não pode, contudo, sob a ótica da comunicação, eximir a Instituição da responsabilidade de fazer essa divulgação da forma mais justa e provida de bom senso, no tempo adequado e com as evidências às claras. Sem isso, é trocar os pés pelas mãos, é correr o risco de “ilegitimar” uma investigação de anos, manchando muitas vezes a reputação de organizações sérias, que podem não estar envolvidas diretamente nas denúncias.

Um fato é claro e evidente: a despeito da autenticidade das provas, a reputação e credibilidade de todos os produtores foi atingida imediatamente. Consumidores passaram a questionar os inúmeros posicionamentos que as grandes empresas fizeram após a operação. Algumas delas perderam em um final de semana cerca de R$ 8 bilhões em valor de mercado. Países importadores, como China e Coreia do Sul, já anunciaram suspensão à compra de carne brasileira. União Europeia seguiu o mesmo caminho, enquanto novas provas e certificados de qualidade não forem apresentados novamente. Para não falar na imagem dos artistas que representam as marcas nas campanhas publicitárias que foram alvo de críticas e piadas nas redes sociais.

Aliás, em tempos cada vez mais digitais, uma discussão como essa não podia ganhar mais ressonância e versões diferentes. Em poucos dias, a notícia da operação da PF “viralizou” sob os formatos mais inusitados, dando às notícias – ainda sem sua devida apuração – uma escala sem precedentes. As redes sociais, que são incríveis veículos difusores em termos de pulverização e de segmentação de conteúdo, servem, por outro lado, como ferramenta implacável de julgamentos e de conteúdos vexatórios para qualquer assunto. O universo digital só favorece esse ambiente em que se condena primeiro para depois se apurar, é o ônus da tecnologia.

Nesse contexto, uma pergunta não quer calar – existe uma forma de evitar uma crise de imagem desta proporção neste momento em que o Brasil vive uma euforia de escândalos? Com tantas notícias conflitantes, falsas informações surgindo e internet borbulhando de alarmes, como se posicionar neste momento? As tradicionais notas de posicionamento ajudarão neste momento? Mas se não fizer a empresa será ainda mais questionada. Anúncios com a versão da empresa ajudam a minimizar o problema? Mas se não fizer, a população terá apenas uma versão dos fatos. Responder todas as mensagens e postagens da internet? Isso é uma missão praticamente impossível para qualquer empresa em momento de disseminação exagerada de boatos ou crises.

Seja qual for a estratégia de comunicação num momento como esse, ela deve entender os fatos, apurar a verdade – ainda que “doa na própria carne”-, e comunicar de forma transparente. Se há uma certeza absoluta nos dias de hoje é que ética e transparência aos fatos não é mais um princípio opcional às companhias; é mandatório, deve permear a forma de fazer, a sua operação como um todo. Caso contrário, o risco de dano irreversível só tende a crescer a cada dia de omissão. Nesse sentido, e munido da famigerada rede social, o consumidor é bastante rígido em sua opinião, seu sentimento é o principal indicador da perenidade dos negócios das empresas.

O fato é que toda reputação está por um fio, basta às vezes somente uma notícia para ser julgado e ter seu negócio abalado. Ficar atento ao que se fala da sua marca é o mínimo que se pode fazer, entendendo que a barreira entre o on e o offline já não existe. E que, portanto, ser transparente ainda é o caminho mais seguro para se reconquistar credibilidade. O que se viu nesse episódio, ainda incipiente, é que trabalhar reputação é muito mais do que gerenciar uma crise, é fazer gestão dela, pensando sempre em todas as possibilidades antes de o problema eclodir, e, com isso, prevenir-se para o cenário mais sensível.

Leonardo Aguilar – Fundador da laComunica

Cintia Magalhães – gerente de Negócios da Approach

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